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Antropofagias: um livro manifesto!

Práticas da devoração a partir de Oswald de Andrade

by Eduardo Jorge De Oliveira (Volume editor) Pauline Bachmann (Volume editor) Dayron Carrillo Morell (Volume editor) André Masseno (Volume editor)
©2021 Edited Collection 262 Pages

Summary

Inseparável da personalidade de Oswald de Andrade e da sedição implícita em seu chamado para a "absorção do sagrado inimigo", o "Manifesto Antropófago" (1928) representa uma das mais arrumadas alegações do modernismo literário no Brasil. Antropofagias: um livro manifesto! convida a (re)ler as diretrizes antropológicas do pensamento oswaldiano e suas declinações nas artes e letras brasileiras. Sem pretender ser um documento histórico, o caráter manifesto deste volume visa marcar uma presença na análise do consumo cultural que distingue a produção de conteúdo estético do Modernismo, com ensaios que abordam a validade e as mutações epistemológicas de um texto em constante diálogo com os contextos crítico-históricos em que se desenvolveu a noção do que significa ser antropófago.

Table Of Contents

  • Couverture
  • Titre
  • Copyright
  • À propos de l’auteur
  • À propos du livre
  • Pour référencer cet eBook
  • Sumário
  • Prefácio
  • Introdução – Um abre-alas antropófagoda Revista à marcha das utopias: (P. Bachmann / D. Carrillo-Morell / A. Masseno / E. J. de Oliveira)
  • I. “Só a Antropofagia nos une”
  • Antropófago Manifesto: (Beatriz Azevedo)
  • A questão (indígena) do “Manifesto Antropófago”: (Alexandre Nodari / Maria Carolina de Almeida Amaral)
  • Diante da lei – da gramática – da história Oswald de Andrade, poeta das exceções: (Eduardo Sterzi)
  • O Sermão está servidoComer Vieira no mapa-múndi do Brasil: (Eduardo Jorge de Oliveira)
  • II. Mecanismos de devoração e metabolismos históricos da antropofagia
  • Quelques visages de Paris (1925) de Vicente do Rego MonteiroOs roteiros tortuosos da história da arte: (Lena Bader)
  • Arquitetura (para) canibalOscar Niemeyer e a curva poética do ritual antropófago: (Dayron Carrillo-Morell)
  • Consumindo o consumoLinguagem-Brasil e antropofagia cultural nos anos 60/70: (André Masseno)
  • Processual, experimental, marginalA materialidade da poesia dos anos 70: (Pauline Bachmann)
  • III. Traduções antropofágicas da cultura
  • Antropofagias simbólicas e canibalismos ausentesAnotações para uma redefinição do nexo Futurismo-Modernismo: (Sara Ferrilli)
  • O canibal tristeRastros da antropofagia na tradução: (Melanie P. Strasser)
  • IV. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros…
  • *Antrou pofagia: (Julieta Hanono)
  • Oswald de Andrade – Biografia com dados históricos: (Marcela Vieira)
  • Notas biobibliográficas

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Prefácio

“Hoje somos antropófagos. E foi assim que chegamos à perfeição” (Machado, 1976: 1). O abalo temporal e o sentido iterativo contido na frase escrita por Antônio de Alcântara Machado no “abre-alas” do primeiro número da Revista de Antropofagia em maio de 1928, merece um momento inicial de reflexão. Em primeiro lugar, por reivindicar o itinerário de uma condição histórica que não esgota seus propósitos no futuro; em segundo, expressando-se em um presente que já se faz imediatamente passado, por assumir a prática do pensamento em seu estado perene de obsolescência, onde cada menção à cultura crítica, no mínimo, seria sua própria superação.

A Revista de Antropofagia teve duas dentições que, de maneira icônica, trabalharam a mordida do canibal modernista a serviço de sua cultura. A primeira, com dez números, foi de maio de 1928 a fevereiro de 1929, enquanto a segunda, publicada nas páginas do jornal Diário de São Paulo, continuou sendo editada até agosto do mesmo ano. Os autores-editores prolongaram o espírito irreverente e carnavalesco no âmbito da sisuda cultura brasileira, antes mesmo da eclosão oficial do Modernismo com a Semana de Arte Moderna em 1922 no Teatro Municipal de São Paulo.

Indissociável da complexa personalidade de Oswald de Andrade, a conceitualização da antropofagia cultural teve diversos pontos de idas e vindas no discorrer do século XX. Ideias que estavam dispersas em crônicas e relatos de viagem – ou então restritas a estudos antropológicos – deram vigor à literatura situada entre as décadas de 1920 e 1950, até serem metabolizadas pela cultura dos anos 1960 e 1970. Muitas dessas ideias ganharam vida própria na última década do milênio, tornando-se metáforas plásticas, visuais e anticoloniais, conforme ficou demonstrado pela 24ª Bienal de São Paulo em 1998 que teve a antropofagia como temática e motor. As práticas interpretativas dos Estudos Culturais também retomaram várias destas noções e, especificamente as que surgiram no contexto anglo-saxônico, reexportarão a antropofagia como ato metafórico de devoração da cultura alheia para torná-la em algo próprio, porém sem resumi-la a tal operação.

Com a premissa histórica como estandarte, e para começar o desfile, o presente livro busca abrir o apetite de seus leitores ao oferecer alguns olhares interrogativos que, longe de serem peremptórios, contribuem para intensificar a vontade de seguir-nos alimentando do universo antropófago, essa fonte inesgotável. A ideia de retornar aspectos do “Manifesto Antropófago” (1928) surgiu ←7 | 8→através da jornada de estudos realizada na Universidade de Zurique em 30 de outubro de 2018, cujo principal objetivo foi aceitar o convite oswaldiano feito há um pouco mais de noventa anos e continuar informando o potencial nutritivo do “Manifesto”. Como todo leitor com fome de saber, o convite também foi aceito por outros pesquisadores que concordaram em unir-se ao ritual desta aventura nutritiva. Suas vozes compõem o aspecto polifônico deste volume, ampliando a(s) leitura(s) de e sobre a antropofagia dentro e fora do Brasil, isto é, desenvolvendo práticas de devoração a partir de Oswald de Andrade.

Distribuídos em três blocos temáticos, os dez capítulos que compõem o presente volume oferecem leituras cruzadas sobre a Antropofagia e o devir de suas práticas culturais em e para o meio intelectual brasileiro. A primeira seção, “Só a antropofagia nos une”, percorre o pano de fundo histórico que serve de fundamento para o movimento antropofágico e seu nascimento sob o programa renovador da cultura impulsionado por Oswald de Andrade. Em um jogo com as implicações polissêmicas do discurso de manifesto, Beatriz Azevedo inverte sintaticamente o título do “Manifesto” para assim individuar as camadas que modelam a retórica indigenista oswaldiana e medir o alcance de sua alegação antropofágica como alternativa crucial e oposta ao pensamento racional eurocêntrico. Alexandre Nodari e Maria Carolina de Almeida Amaral elucidam os aspectos da cosmogonia indígena contidos no “Manifesto” e assinalam como Oswald de Andrade promove deslocamentos simultâneos das referências históricas e culturais do Brasil pré-colombiano, favorecendo a formulação de uma genealogia antropofágica da cultura brasileira, baseada na multiplicidade e diversidade dos substratos culturais. Eduardo Sterzi continua com uma aproximação ao conteúdo político que atravessa grande parte da produção poética do movimento modernista, deixando claro que as interseções entre poesia e política transbordam os limites da mera contaminação na obra de Oswald de Andrade, onde as (in)definições políticas se tornam a própria noção daquilo que representa a poesia. Encerrando a primeira seção, Eduardo Jorge de Oliveira explora a figura de Oswald de Andrade como um leitor radical e a contrapelo do Padre Antônio Vieira, revelando-se dotado de uma radicalidade linguística e uma compreensão do fenômeno social da língua portuguesa no Brasil, condensada pelo nosso antropófago na voz lábia. Este termo, por sua vez, encontrará ressonância na tese “A crise da filosofia messiânica”, desenvolvida por Oswald de Andrade nos anos 1950.

Sob o título “Mecanismos de devoração: metabolismos históricos da antropofagia”, a segunda seção aborda a presença da criatividade antropófaga em circuitos tangenciais à literatura modernista. Através de uma leitura contrastiva ←8 | 9→de Quelques visages de Paris (1925) e do “Manifesto Antropófago”, Lena Bader argumenta que a obra de Vicente do Rego Monteiro dialoga, a nível pictórico e visual, com algumas propostas elaboradas por Andrade no tocante à importância histórica do legado cultural indígena. Ao “amazonizar” Paris em suas gravuras, Rego Monteiro questiona o primitivismo exotizante em vigor na Europa daquele período e a imagem indigenista prevalecente no próprio Brasil, apresentando uma cidade onde o desenho moderno se entrecruza com referências indígenas pré-históricas. A desconstrução antropófaga do centro urbano parisiense abre caminho para que Dayron Carrillo-Morell desmonte o andaime poético que sustenta a arquitetura “canibal” de Oscar Niemeyer e as suas convergências discursivas com o “Manifesto”. Ao aproximar-se da curva como elemento semiótico que reflete o aspecto edificado da identidade brasileira, o autor coloca a produção niemeyeriana sob a esteira de um ritual antropófago, que acaba por devorar a projeção de sua própria imagem simbólica na arquitetura moderna. As contribuições de André Masseno e Pauline Bachmann revisam as apropriações e transformações do conceito antropofágico oswaldiano durante as vanguardas artístico-literárias desenvolvidas no Brasil nas décadas de 1960 e 1970. Enquanto Masseno assinala como a contracultura do final dos anos 60 retoma a antropofagia oswaldiana como estratégia de revisão crítica do contexto nacional – marcado pela voracidade desenfreada da indústria cultural estrangeira e pela criação de uma “linguagem-Brasil” –, Bachmann analisa como o conceito antropofágico ressoou nas duas grandes vertentes poéticas da década: a poesia pós-concreta e a poesia marginal. A autora demonstra que, apesar de terem sido consideradas opostas, ambas as correntes se unem em torno à antropofagia, favorecendo a cooperação entre elas e concomitantemente a da poesia com outras artes visuais.

A terceira e última seção, “Traduções antropofágicas da cultura”, está centrada nas traduções e recriações culturais da antropofagia oswaldiana. Sara Ferrilli revisa o olhar de Marinetti sobre a América Latina, retornando à acolhida do Futurismo no Brasil a fim de abrir novas linhas de reflexão sobre os parentescos entre a Antropofagia e o Futurismo italiano. Com a redefinição deste nexo ítalo-brasileiro, a autora estabelece uma ponte semântica e metafórica entre os termos “canibal” e “antropófago”, iluminando o caminho para novas leituras que pretendam entrecruzar a perspectiva futurista e o ímpeto modernista. Melanie Strasser traça um panorama crítico dos meandros da tradução da antropofagia e o papel do tradutor no processo de recriação das ideias oswaldianas. A autora explora as relações entre as figuras do canibal e do tradutor, fazendo de Haroldo de Campos uma referência de poeta que recria, e com isso atualiza, os preceitos da “razão antropofágica” de Oswald de Andrade.

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E se estamos tratando de poesias e imagens, não deve, portanto, faltar essa comunhão entre palavra e desenho, entre o legível e o visível que caracteriza qualquer ato de manifesto. O poeta e artista multimídia André Vallias nos apresenta aqui uma rapsódia criada com fragmentos do filme O Homem do Pau-Brasil (1981), de Joaquim Pedro de Andrade, e com fotografias do incêndio que, entre 2 e 3 de setembro de 2018, destruiu o Museu Nacional do Rio de Janeiro. O vídeo, intitulado Preâmbulo (2018), foi concebido exclusivamente para a jornada de estudos sobre Antropofagias na Universidade de Zurique. Seus fotogramas estão distribuídos ao longo do livro, a modo de vinheta complementar e ilustrativa. Para encerrar o volume – e antes da cronologia do trajeto oswaldiano elaborado por Marcela Vieira –, a artista Julieta Hanono apresenta seu manifesto “antroupofagia”, texto baseado em um jogo entre o tema que nos ocupa e uma perfuração na palavra com um trou francês – um “buraco” aonde irão parar todas as nossas reflexões antropófagas, para então serem devoradas pela boca enorme e pelo pensamento do gigantesco Abaporu.

Assim como o antropófago age sempre em grupo, o ato de devoração não é solitário. E este livro não teria sido possível sem a ajuda de pessoas e instituições muito valiosas e comprometidas, sobretudo, com o poder metabólico das humanidades com a cultura do pensamento crítico. Somos especialmente gratos à diretora do Seminário de Romanística da Universidade de Zurique, Profa. Dra. Tatiana Crivelli, pelo apoio institucional e sua presença nos dias de discussão durante o evento que possibilitou a criação deste volume; ao Prof. Dr. Johannes Kabatek, por acompanhar a fase original da publicação e pela calorosa apresentação da jornada. Agradecemos a Andersen Wu, Sofia Sabatini e María Luisa Gago Iglesias, por sua formidável assistência durante todo o processo de organização da jornada de estudos e pela atenção ao processo de edição do livro; agradecemos também à coordenadora do Lateinamerika-Zentrum Zürich – LZZ, Dra. Elena Rosauro, pela cuidadosa revisão dos textos que agora colocamos à disposição do leitor. Vale a pena mencionar os estudantes de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira de Romanística, que, com seus cuidadosos e inteligentes comentários, enriqueceram o conteúdo dos trabalhos aqui apresentados. Por fim, o nosso muito obrigado ao Centro alemão de História da Arte em Paris, por sua colaboração nas diferentes etapas evolutivas deste livro, e à equipe de autoras e autores que aceitaram participar deste volume.

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P. Bachmann / D. Carrillo-Morell / A. Masseno / E. J. de Oliveira

Introdução – Um abre-alas antropófago

Da Revista à marcha das utopias

Oswald: uma vida de manifestos

Muito antes do “Manifesto da Poesia Pau-Brasil” ser publicado no Correio da Manhã em 18 de março de 1924, o antropófago-mor tinha criado o jornal O Pirralho, em 1911. Desde então ele teve uma vida controversa nas letras brasileiras ou, melhor, fez com que estas entrassem em um estado permanente de festa. Oswald de Andrade marcou profundamente o humor da literatura e, em geral, as culturas do Brasil. Além dessa intensidade que lhe era particular e de seu trabalho intelectual, Oswald nunca agia sozinho, sendo um destes sujeitos coletivos que agenciava acontecimentos, encontros e atividades públicas diversas. Talvez por isso que, para ele, a imprensa se converteu em ambiente propício para lançar novas ideias e gerar polêmicas, tornando-se o grande palco das manifestações oswaldianas. Entre jornais e revistas, Oswald de Andrade soube instrumentalizar o manifesto como um gênero literário de escrita rápida e arguta, inclusive com potencial memorialístico para o futuro. Por esse viés, o manifesto deve ser lido tanto no sentido estrito das vanguardas – isto é, como veículo instantâneo de novos valores programáticos –, quanto no sentido mais amplo, como uma erupção dos sintomas da cultura brasileira, cuja manifestação mais evidente – inclusive urgente – parece ser a fome. Uma fome que pode ser interpretada em termos de uma ávida “fome de experiência” e que anseia uma “fome de ilusão” (Andrade, 1992a: 1) – para ficarmos com os termos oswaldianos contidos nos diários de garçonnière de O perfeito cozinheiro das almas deste mundo (1918). O exotismo e erotismo culinários presentes na nota de João de Barros (pseudônimo de Pedro Rodrigues de Almeida) apresentavam “salitradas fatias de bom humor” (Andrade, 1992a: 1) com o objetivo de aumentar a vontade de beber dos comensais da garçonnière. Há um tom de memória e de futuro1 nos escritos de Oswald de Andrade antes mesmo do seu ←13 | 14→momento antropofágico, chegando a prefigurar a pluritextualidade do manifesto de 1928.

As contribuições de Oswald de Andrade para a impressa foram notavelmente profícuas, sobretudo pela fome que ele teve em desburocratizar as frases, enfatizando a forma simples de escrever e típica de seu estilo Pau-Brasil, eliminando os excessos dos detalhes naturalistas e a morbidez romântica. Se pudéssemos resumir brevemente o curto-circuito que foi o “Manifesto da Poesia Pau-Brasil”, diríamos que é uma escrita que não se perde na genealogia das ideias. Tudo é direto, claro, límpido e com uma dimensão prática da cultura, que, se seguirmos o que dita o “Manifesto”, ainda hoje mantém o seu frescor: “Práticos. Experimentais. Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem comparações de apoio. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia” (Andrade, 1990a: 45).

Details

Pages
262
Publication Year
2021
ISBN (PDF)
9783631838143
ISBN (ePUB)
9783631838150
ISBN (MOBI)
9783631838167
ISBN (Hardcover)
9783631837276
DOI
10.3726/b17708
Language
Portuguese
Publication date
2020 (December)
Keywords
Modernismo Tropicália Poesia marginal arquitetura modernista literatura tradução
Published
Berlin, Bern, Bruxelles, New York, Oxford, Warszawa, Wien, 2021. 262 pp., 14 fig. col., 4 fig. b/w.

Biographical notes

Eduardo Jorge De Oliveira (Volume editor) Pauline Bachmann (Volume editor) Dayron Carrillo Morell (Volume editor) André Masseno (Volume editor)

Pauline Bachmann é doutora em Literatura Portuguesa pela Universidade de Zurique. Dayron Carrillo-Morell é doutor em Literatura e Cultura da América Latina na Universidade de Zurique. André Masseno é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de Zurique. Eduardo Jorge de Oliveira é professor assistente de Literatura Brasileira (Literatura, Cultura, Media) da Universidade de Zurique.

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