Colonização linguística e outros escritos
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Table Of Contents
- Cobertura
- Título
- Copyright
- Sobre o autor
- Sobre o livro
- Advance Praise for Colonização linguística e outros escritos
- Este eBook pode ser citado
- Sumário
- Prefácio
- Palavras iniciais
- Parte I: Colonização linguística: Línguas, política e religião no Brasil (séculos XVI a XVIII) e nos Estados Unidos da América (século XVIII)
- Uma grande proeza: O empreendimento de Bethania Mariani, visto da perspectiva de outra colônia americana (Prefácio de Hans Ulrich Gumbrecht)
- Chapter 1: Colonização linguística
- Colonização
- Colonização linguística
- Da colonização à institucionalização linguística
- Chapter 2: Novos territórios e línguas desconhecidas
- Política de sentidos das línguas e políticas linguísticas
- Uma política linguística implícita
- Políticas e memórias: o português no convívio com o latim
- Primeiros contatos, primeiras diferenças
- Chapter 3: A questão das línguas e os discursos da colonização
- A seleção dos historiadores: primeiros recortes
- A indeterminação e a determinação: quem nomeia?
- As línguas, os historiadores e os viajantes estrangeiros
- Os relatos indiretos sobre o uso das línguas, os nomes da língua brasílica e a questão da comunicação
- Considerações finais, porém provisórias
- Chapter 4: Línguas, política e religião
- Dos esquecidos aos renascidos: As academias literárias e a língua geral
- Os dispositivos de arquivo
- A “Nossa América Portuguesa” dos esquecidos
- Os renascidos na continuidade dos esquecidos
- As línguas de colonização e a legislação
- Línguas gerais vs. português: São Paulo e Amazônia
- A ordem jurídico-religiosa na questão das línguas
- Entre as normas de deus e do rei: deslizamentos nos sentidos de língua
- Homogeneidade e assujeitamento na colônia
- Chapter 5: Inglês e português: Duas diferentes línguas de colonização
- A língua inglesa na metrópole
- A independência e a língua como questão
- A questão das línguas indígenas na América do Norte
- Semelhanças e contrastes: Brasil e Estados Unidos
- Conflitos linguísticos que perduram
- Parte II: Outros Escritos: Colonização e descolonização: Século XX
- Chapter 6: Quando as línguas eram corpos … Sobre a colonização linguística portuguesa na África e no Brasil
- 1.
- 2.
- 3.
- 4.
- 4.1
- 4.2
- 5.
- Chapter 7: Uma revolução e seus impasses linguísticos: Moçambique
- Sobre revoluções e palavras
- A revolução e as palavras em Moçambique
- Moçambique e suas línguas: o antes e o depois da colonização
- Uma “língua portuguesa com personalidade moçambicana”
- Considerações finais: O estado, os moçambicanos e a(s) língua(s)
- Chapter 8: Discurso revolucionário moçambicano e a escrita do Homem Novo
- Formulação e circulação de discursos revolucionários
- Orientações políticas para o “homem novo”
- Sobre a escrita do “homem novo”: reflexões finais
- Chapter 9: A redação do código civil: Uma polêmica linguística, jurídica ou política? Rui Barbosa e Ernesto Carneiro Ribeiro
- Considerações iniciais
- Política e o político na língua
- O tempo e a história da polêmica
- A polêmica
- Breves reflexões finais
- Chapter 10: Unidade idealizada na variedade concreta: Censos linguísticos, Congressos sobre a língua falada e “Normas da pronúncia padrão”
- Os censos linguísticos: o português e as outras línguas
- Os congressos: o português e sua variação
- Na vontade da unidade linguística, uma “nova era”?
- Chapter 11: Quanto vale uma língua?: O apagamento do político nas relações econômicas e linguísticas
- Linguagem e dinheiro: metáfora antiga
- Escrita, capitalismo e uso de uma língua comum na Europa e nas colônias
- Línguas de colonização e descolonização ocidentalizada
- A globalização da língua e do mercado como verdade
- Afinal, quanto vale uma língua?
- Referências bibliográficas e demais obras consultadas—parte I e parte II
- Obras publicadas na série
Nas últimas décadas um conjunto de pesquisas trouxe um novo olhar sobre a história dos conhecimentos linguísticos. Isso foi possível graças a uma visão alargada do que sejam esses conhecimentos. Além da história da chamada linguística moderna, surgida com os estudos comparativos do século XIX e consolidada com o estruturalismo saussuriano na primeira metade do século XX, tem-se considerado igualmente outras formas de manifestação do saber linguístico, em teorias, instrumentos linguísticos (gramáticas, dicionários, manuais), acontecimentos, instituições, políticas linguísticas, escolas, legislações, etc. Além da Europa, sede do comparatismo e do saussurianismo, outros espaços mundiais foram ressaltados, na Ásia, na América, na África, na Oceania. Aos estudos dos espaços nacionais, foram acrescentados outros temas, como o da colonização linguística, o da transnacionalidade, o da globalização. Os fatos da colonização linguística são dos mais significativos para as pesquisas nessa linha, visto que eles tomaram uma dimensão importante com os contatos e confrontos acentuados desde o século XVI, quando uma primeira mundialização linguística, se podemos dizer assim, teve início. A noção de “colonização linguística”, tal como vem sendo trabalhada na História das Ideias Linguísticas, permite agrupar tradições linguísticas de diferentes continentes, em territórios marcados por uma ou outra forma de colonização, ou seja, por diferentes processos históricos de colonização e relacionamento entre as línguas. ← ix | x →
No Brasil, um dos direcionamentos desses estudos constituiu-se a partir da perspectiva da Análise de Discurso, que reúne língua, sujeito e história para analisar os discursos sobre a(s) língua(s). A história do saber linguístico é concebida dessa perspectiva em ligação com as formações sociais e a constituição da língua nacional. Outras unidades do imaginário linguístico também são consideradas (línguas oficiais, línguas maternas, línguas francas, línguas de imigrantes, dentre outras). A noção de colonização linguística trouxe subsídios para se refletir discursivamente sobre o encontro das línguas indígenas com as línguas europeias e africanas, do qual resultou um conhecimento marcado pela relação entre colonizadores, nativos e colonizados, com suas distintas concepções de linguagem.
Bethania Mariani trabalhou de modo intenso e original as muitas faces da noção de colonização linguística, desdobrando suas possibilidades operatórias, esmiuçando e ampliando seus domínios e limites. Além do caso brasileiro, ela abordou a colonização linguística nos Estados Unidos e na África (especialmente Moçambique), colocando em relação diferentes formas de colonização, de presença das línguas em territórios, em espaços nacionais e oficiais, em situações de contato. Pela leitura das análises da autora, nota-se que a colonização linguística é observada nas regiões contraditórias entre a imposição e a resistência, a homogeneidade e a heterogeneidade linguísticas, a fixação e o movimento, a língua imaginária e a língua fluida. Nesse entremeio é decisivo o lugar da institucionalização, dos momentos de legitimação do saber linguístico, com sustentação nas instituições, no discurso jurídico, nas políticas linguísticas. Com a estabilização dos sentidos, produzem-se generalizações e exclusões, unidades e divisões entre as línguas e entre os sujeitos que as falam. Ao mesmo tempo, enquanto se impõe um destino planejado, surgem as resistências, as falhas, os furos nas imagens fixadas da língua e da sociedade. O que parecia homogêneo não escapa à heterogeneidade, o que fora excluído ou isolado ressurge transformado, o que foi silenciado migra para outros espaços. Das tensões contraditórias, irrompem novas configurações linguísticas e sociais, misturas, influências, línguas outras.
Diante das profundas transformações que as relações internacionais vivem e do aumento da produção de conhecimento sobre tais fatos, nada melhor do que seguir na leitura de Bethania Mariani os percursos dessas aventuras, vivenciando processos tão distintos ao mesmo tempo. A expansão mundial do inglês, a formação dos países de língua portuguesa, a internacionalização do português do Brasil, a revolução moçambicana, atestam a produção ramificada do saber em múltiplos espaços, com efeitos temporais que mexem com ← x | xi → a memória dos saberes linguísticos. Talvez a mais impactante consequência disso seja perceber que as colonizações linguísticas estão envolvidas em redes mais amplas, decorrentes da mundialização que desde o século XVI vem se constituindo, mas também que cada gesto de legitimação, de imposição ou de resistência participa desse processo mais amplo, produzindo efeitos decisivos em uma ou outra conjuntura sócio-histórica em que os sujeitos falantes se encontram. Finalmente, nos damos conta de que tais gestos, mínimos ou grandiosos, estão sujeitos a falhas, a furos na história das ideias, que surpresas inesperadas podem se tornar acontecimentos linguísticos fundadores ou meros saberes perdidos na história. Felizmente temos alguém como Bethania Mariani, que após percorrer mundos e arquivos, nos oferece suas análises, reunindo as peças dos grandes movimentos de colonização/descolonização linguística, juntando sujeitos sem prescindir das diferenças.
Gostaria ainda de manifestar minha profunda admiração por Bethania Mariani, pesquisadora tenaz e generosa, de uma alegria comparável à da cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro, onde ela recebe com coleguismo e de braços abertos tantos pesquisadores que para ali se dirigem. Na Universidade Federal Fluminense formou vários jovens pesquisadores e fundou o Laboratório Arquivos do Sujeito, uma referência na área. Além disso, Bethania tornou-se uma líder muito ativa e respeitada, tanto pela qualidade de seus trabalhos em Análise de Discurso, quanto por sua brilhante atuação como representante em agências e associações científicas brasileiras.
José Horta Nunes (UNICAMP / CNPq)
Colonização linguística e outros escritos representa um longo caminho de pesquisas que realizei e publiquei nos últimos 15 anos sobre os destinos da língua portuguesa em alguns territories colonizados por Portugal. O livro como um todo traz resultados desse percurso marcado, sobretudo, por uma questão central: quais os sentidos de língua portuguesa como língua de colonização e, posteriormente, de descolonização? Com o título Colonização linguística e outros escritos marco dois momentos desse percurso, os quais se encontram demarcados nas duas partes do presente volume.
A primeira parte–Colonização linguística–é a segunda edição revista de um livro publicado em 2004: Colonização linguística—Línguas, discurso e religião no Brasil, séculos XVI a XVIII, e nos Estados Unidos da América, século XVIII (Editora Pontes, Campinas, Brasil). A segunda parte—Colonização e Descolonização: Século XX—representa parte também revista de um conjunto de textos publicados mais recentemente como artigos em periódicos ou capítulos de livros.
O livro de 2004 representa o resultado de um trabalho organizado e parcialmente redigido durante minha estadia de pós-doutorado com bolsa do CNPq, na Universidade de Stanford, trabalhando sob a supervisão de Hans Ulrich Gumbrecht. Como aquela edição encontrava-se esgotada há anos, gerando repetidas demandas de colegas e alunos por uma segunda edição, optei por fazer uma boa ← xiii | xiv → revisão, com pequenas alterações, mas mantendo quase totalmente o texto original, que inclui um prefácio de Gumbrecht, por entender que este livro marcou uma época e um tipo de pensamento com o qual eu ainda concordo integralmente.
Entre 2004 e os dias de hoje, a questão central mencionada acima me levou a percorrer a historicidade da colonização linguística na África e, especialmente, em Moçambique. Novamente recebi apoio do CNPq, o que me permitiu ir a Maputo com o objetivo de percorrer arquivos para trabalhar duas outras temáticas: os sentidos da língua de colonização portuguesa em situação de processo revolucionário; e os processos de significação dessa mesma língua na descolonização. Ao mesmo tempo, dei continuidade aos trabalhos sobre o português no Brasil, voltando-me para o período pós-independência e pós-republicano. As relações entre língua, nacionalismo linguístico e início dos estudos linguísticos, sobrepondo-se aos da gramática e da filologia, fizeram-me retomar e elaborar conceitos, além de empreender novos gestos de construção de dispositivos de análise tendo em vista os corpora analisados. Dos mais de 12 artigos escritos e publicados em revistas e em livros organizados, selecionei seis que considero os mais representativos, seja em função do material analisado, seja em função do aspecto teórico desenvolvido.
Algumas dessas pesquisas e reflexões, no entanto, tiveram início bem antes, em um trabalho coletivo que descreverei a seguir.
Desde 1991 participo ativamente do projeto interinstitucional História das ideias linguísticas: a construção de um saber metalinguístico e a constituição da língua nacional, coordenado pelos professores doutores Eni Puccinelli Orlandi (Universidade Estadual de Campinas), Eduardo Guimarães (Universidade Estadual de Campinas), Diana Luz Pessoa de Barros (Universidade de São Paulo) e Sylvain Auroux (École Normale Supérieure). Este projeto recebeu inúmeros apoios nacionais e internacionais, estabelecendo convênio entre distintas universidades brasileiras e a École Normale Supérieure (França).
Em um momento inicial de meus trabalhos como pesquisadora em tais projetos, tematizei os processos de normatização da língua portuguesa no Brasil, focalizando as normatizações ortográficas realizadas a partir da fundação da Academia Brasileira de Letra.1 Com essa pesquisa foi possível observar a intervenção política em questões linguísticas, produzindo como efeito um apagamento do estreito contato entre a língua e a sociedade em sua forma histórica. ← xiv | xv →
Em um momento posterior, centrei a atenção no século XIX, analisando o espaço discursivo polêmico constituído a partir de três formações discursivas: a dos literatos e políticos, a dos gramáticos e a dos eruditos. Verifiquei que a construção do imaginário da língua brasileira estava fortemente ligada à construção da identidade nacional: o discurso polêmico sobre a língua era também uma discussão política e ideológica. Se, no caso dos políticos e dos literatos românticos, a relação língua brasileira / nação brasileira marca uma tensão da relação de forças entre o lugar de Portugal e o lugar do Brasil no plano da história da colonização e da independência, no caso dos gramáticos, é sobretudo a memória de um olhar externo que forja, através da prescrição de normas, uma homogeneidade e uma unidade de língua entre Brasil e Portugal. Mas, como afirmei em meus trabalhos, não se pode esquecer que o português brasileiro e o português de Portugal se historicizaram de modos diferentes, possuem memórias diferentes, sendo, portanto, línguas que significam de maneiras diferentes.
A seguir foi meu objetivo mostrar que esse confronto que constitui as reivindicações de uma língua nacional no século XIX se encontra atravessado por uma memória discursiva relativa aos diferentes modos religiosos e jurídicos de tratamento das práticas linguísticas e das relações sociais no Brasil do século XVIII. Assim, nas etapas seguintes, analisei: 1) como dois distintos modos de produção de sentidos sobre a língua falada no Brasil e a construção de uma nacionalidade podiam estar inter-relacionados: o discurso produzido pelas Academias Literárias e Científicas do século XVIII e o diretório político lançado em meados do mesmo século pelo marquês de Pombal; e 2) como os habitantes do país se referiam tanto ao português quanto às demais línguas que eram faladas na colônia. Foram trabalhos que visitaram a memória discursiva constitutiva dos limites do dizível sobre o português como língua oficial da nação brasileira que ganha sua independência no século XIX. Mas ainda havia muito para ser feito.
O já mencionado estágio de pós-doutoramento na Universidade de Stanford me permitiu realizar um minucioso levantamento sobre os modos de imposição da língua portuguesa no Brasil entre os séculos XVI e XVIII. Como, em termos discursivos, nenhuma memória é homogênea, propus-me a traçar as descontinuidades e tensões das dobras constitutivas da memória linguística oficial que institucionaliza o português como língua do Brasil. Nessa memória linguístico-discursiva, com sua tensão entre o que deve ser lembrado e o que deve ficar esquecido, ao mesmo tempo em que se legitima a construção de um imaginário linguístico da língua portuguesa como evidência por si, se silencia sobre a forte presença de tantas outras línguas indígenas que aqui já existiam bem como tantas outras línguas africanas e europeias que para o Brasil vieram. ← xv | xvi →
A Parte I, portanto, retoma o percurso de pesquisas já mencionado, aprofunda questões discutidas anteriormente e, principalmente, discute o processo histórico-linguístico de construção dessa evidência.
No primeiro capítulo, proponho e desenvolvo o conceito de colonização linguística.2 A colonização linguística resulta de um acontecimento na trajetória de nações com línguas e memórias diferenciadas e sem contato. Trata-se de um processo histórico de confronto entre línguas com memórias, histórias e políticas de sentidos dessemelhantes, em condições assimétricas de poder tais que a língua colonizadora tem condições políticas e jurídicas para se impor e se legitimar relativamente à(s) outra(s), colonizada(s). O capítulo seguinte trata dos confrontos linguísticos: latim vs. português na constituição da nação portuguesa e, posteriormente, português vs. demais línguas presentes no território brasileiro durante o período de colonização. No capítulo três, traço um panorama sobre o confronto linguístico no Brasil a partir de uma análise dos discursos da colonização produzidos por portugueses e também por viajantes estrangeiros. Prosseguindo com a análise da colonização linguística, passo a descrever, ao longo do capítulo quatro, como esta se institucionaliza de vez a partir da promulgação do Diretório dos Índios, édito real engendrado pelo Marquês de Pombal em meados do século XVIII. Apesar das inúmeras leis e ordens emitidas pela Coroa Portuguesa anteriormente, é apenas a partir desse acontecimento linguístico-político-jurídico, que foi o édito de Pombal, que a língua portuguesa, enquanto língua do Príncipe, impõe-se oficialmente como língua a ser falada e escrita no Brasil. Por fim, no quinto capítulo, estabeleço uma comparação com o processo de colonização linguística ocorrido nos Estados Unidos da América. A pergunta de pesquisa que moveu essa comparação levou ao estabelecimento de um percurso histórico para os sentidos do inglês como língua de colonização entre os momentos iniciais de sua chegada na América e o movimento pela independência no século XVIII.
Details
- Pages
- XXII, 280
- Publication Year
- 2017
- ISBN (PDF)
- 9781433148590
- ISBN (ePUB)
- 9781433148750
- ISBN (MOBI)
- 9781433148767
- ISBN (Hardcover)
- 9781433144066
- DOI
- 10.3726/b11728
- Language
- Portuguese
- Publication date
- 2018 (January)
- Published
- New York, Bern, Berlin, Bruxelles, Oxford, Wien, 2017. XXII, 280 pp., 5 tables
- Product Safety
- Peter Lang Group AG